Deputados articulam a possibilidade
de analisar quatro temas, entre eles, o financiamento público de
campanha e o fim das coligações proporcionais
Fora
das discussões dos líderes da Câmara desde o fim do semestre passado, a
proposta de reforma política viu crescer as chances de, afinal, ser
colocada em votação na próxima semana. No entanto, para isso acontecer,
precisa superar uma alta rejeição entre os deputados por mexer em temas
polêmicos, como a forma com que as campanhas políticas são financiadas e
alterações no sistema eleitoral. A definição sairá na terça-feira (4),
quando os líderes se reúnem.
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Henrique Fontana tenta colocar em votação quatro temas |
Não
será a reforma política mais ampla que inicialmente se pretendia. De
uma série de mudanças que pretendia, o deputado Henrique Fontana
(PT-RS), relator na comissão especial que discutiria a reforma,
conseguiu o apoio do PT para votar quatro temas. Não mais tais temas
passarão primeiro pela comissão especial. A ideia é levá-los diretamente
para o plenário. Obtido o apoio formal do PT, Fontana agora articula-se
para conseguir adesões nos demais partidos. O governo, apesar da
preocupação de que o tema ocupe a pauta até o final do ano, demonstrou
simpatia pela proposta. A ideia do PT e do governo é dar uma resposta
política à sociedade diante do resultado final do julgamento do
mensalão. A aprovação de alguma reforma política, com a aprovação de
pontos como o financiamento público, seria uma resposta às distorções do
sistema político que geram os problemas verificados no julgamento da
Ação Penal 470.
Fontana apresenta quatro mudanças para votação no plenário. Ele
altera o atual sistema de financiamento privado de campanha para um
sistema público. Estabelece o fim da possibilidade de coligação nas
eleições proporcionais (para vereador, deputado estadual e deputado
federal), institui o sistema belga de votação (em que o eleitor vota nas
eleições proporcionais duas vezes, na lista do partido e no candidato
da sua preferência) e a coincidência das eleições (em vez de eleição
para prefeito e vereador em um ano e eleição para presidente,
governador, senador e deputado federal dois anos depois).
Apesar da intenção, não se trata, porém, de algo pacífico e de fácil solução. Um líder governista ouvido pelo Congresso em Foco lembrou
que a Câmara é uma “Casa política”, e é preciso saber entender as
vontades dos outros partidos da base. Existe o receio de um efeito
cascata, de alterações que acabem, por reação levando a outras. E também
de, no caso de o projeto não ser aprovado, mais uma derrota ser
creditada à conta do Palácio do Planalto.
Assim, para chegar à votação, é preciso superar uma série de dúvidas
com relação ao texto final. Até a ordem em que as propostas serão
votadas são alvo de discussão entre os deputados. Entre líderes da base e
da oposição o sentimento é de descrença. A expectativa que a proposta
entre realmente em votação é baixa. Faltando aproximadamente duas
semanas para o fim do semestre legislativo, os parlamentares tendem a
não querer enfrentar temas polêmicos.
Próxima terça
O presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS), delegou a Henrique
Fontana a aticulação para colocar o texto em votação. Inicialmente, a
votação está prevista para terça que vem (4 de dezembro). Desde a semana
passada, Fontana tem conversado diariamente com os colegas. Explica os
principais pontos do texto e pede apoio para a votação ocorrer. Mesmo
assim, as divergências continuam grandes. “Eu vou sentir o clima na
terça para saber se entra em votação”, disse Maia ao Congresso em Foco.
Indicado como relator da reforma no ano passado, Fontana mudou seu
parecer de forma substancial pelo menos duas vezes. Ainda fez uma série
de mudanças pequenas, sempre tentando aproximar os deputados de um
consenso. Até agora, não conseguiu, tanto que o texto não foi votado na
comissão especial criada por Marco Maia no ano passado. De todo o
planejado, restaram quatro propostas, que devem ser votadas
separadamente caso o texto entre realmente na pauta do plenário.
Longe do consenso
Dos quatro temas propostos por Fontana, somente a coincidência das
eleições parece mais próximo de um consenso. “Somos a favor de coincidir
as eleições. O país gasta R$ 550 milhões a cada dois anos com os
pleitos”, disse o líder do PR na Câmara, Lincoln Portela (MG).
O deputado mineiro é um dos líderes que não acredita ser possível
votar o texto na semana que vem. Portela entende que os outros três
temas presentes no relatório de Fontana são de difícil consenso entre os
parlamentares.
A maioria dos parlamentares entende, por exemplo, que o financiamento
público, para funcionar, implicaria também uma mudança no formato do
sistema de votação nas eleições proporcionais. Se o dinheiro para a
campanha será entregue para a administração do partido, os parlamentares
entendem que não seria possível a manutenção do atual sistema, no qual
os candidatos de uma legenda disputam entre si a preferência do eleitor.
Daí, a ideia de que o voto na eleição proporcional passasse a ser em
lista (em vez de votar em um candidato, o eleitor votaria somente no
partido; cada partido elaboraria uma lista de candidatos e eles seriam
eleitos de forma proporcional dependendo do número de votos que o
partido obtivesse). O voto unicamente em lista seria uma alteração total
na cultura política do eleitor brasileiro, que hoje não vota em
partidos, mas em pessoas.
Daí a ideia de Fontana da adoção do sistema belga. Nesse sistema, o
eleitor vota duas vezes nas eleições proporcionais. Primeiro, ele vota
no partido. Depois, ele vota de novo, em um candidato. Dependendo do
número de votos que esse candidato tiver, ele altera sua posição na
lista. Por exemplo, na lista definida pelo partido, o candidato x é
apenas o quinto nome. Mas, na eleição, ele acabe sendo o mais votado
entre os candidatos da legenda. Essa situação faça com que ele suba de
posição na lista.
“O sistema belga é complicadíssimo”, rebate Lincoln Portela. “Acho
muito improvável que isso seja compreendido tão rapidamente e ganhe
adesão. Acho difícil que a reforma seja votada, ainda mais faltando duas
semanas para encerrar o ano”, sentencia.
Campanha
De qualquer modo, enquanto dava entrevista ao Congresso em Foco
na terça-feira (27), Fontana conversava com colegas pedindo apoio. Dois
colegas de bancada – Dr. Rosinha (PT-PR) e Décio Lima (PT-SC) –
passaram e ele não perdeu a oportunidade de fazer campanha pela reforma.
“Vamos lá, companheiros, reforma política na terça-feira”, afirmou. Ao site, Fontana disse existir um movimento favorável para a votação da proposta. “Conseguimos diminuir os pontos polêmicos”, relatou.
Vice-líder do PSDB na Câmara, César Colnago (ES) não tem a mesma
expectativa de Fontana. Para ele, a possibilidade de a proposta entrar
em votação na próxima semana é pequena. “Este tema é complicado, acho
que não vai ser votado, não”, disse o tucano. Ele relatou que se
encontrou com o relator da reforma na semana passada. Os quatro pontos
foram explicados, mas uma frase de Colnago resume a dificuldade: “Cada
um tem sua reforma política na cabeça”.
O relator entende que, se o número de parlamentares contrários a
partes do texto for grande, ele não será votado. Para o petista, não
vale a pena colocar em votação uma proposta com grande resistência.
Marco Maia disse ao site que “os deputados questionam até a ordem de votação das propostas”.
Tramitação
A Comissão Especial de Reforma Política foi instalada no ano passado
por Marco Maia após articulação com o presidente do Senado, José Sarney
(PMDB-AP). Eles definiram que as duas Casas tratariam dos temas. Os
deputados teriam 180 dias para trabalhar e estudar todas as propostas
referentes ao sistema político-eleitoral brasileiro que tramitavam na
Câmara. Já os senadores tiveram a missão de elaborar projetos do zero.
Enquanto no Senado uma série de propostas foi apresentada e aprovada
pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), na Câmara a leitura e
votação do relatório de Fontana foi adiada diversas vezes. Ele mudou o
parecer para tentar agrupar boa parte dos pedidos dos partidos. No
entanto, outros pontos de divergência surgiram, o que impossibilitou a
votação da proposta na comissão especial.
Coincidência de eleições
Para o ponto menos polêmico da proposta – a coincidência das eleições
no mesmo ano – , Fontana propõe a seguinte solução. A partir de 2022,
todas as eleições ocorreriam no mesmo ano. Ou seja, os eleitores iriam
às urnas para escolher, de uma vez só, vereadores, prefeitos,
governadores, senadores, deputados distritais, estaduais e federais e o
presidente da República. Em 2016, ocorreria a última eleição municipal
separada. Prefeitos e vereadores teriam um mandato de seis anos, em vez
do mandato normal de quatro anos. A ideia inicial era reduzir para dois,
mas Fontana acabou modificando após pedido de colegas.
Um dos poucos pontos que ele não aceitou modificar foi o
financiamento público de campanha. Para ele, o crescente custo das
campanhas precisa ser freado. E isso só pode acontecer com dinheiro
público. Assim como quem banca a corrida eleitoral, o sistema belga –
onde o eleitor vota duas vezes, uma no candidato e outra na legenda –
também atrai polêmica. “Esses dois temas são os mais complicados para
votar”, resumiu o líder do PSD na Câmara, Guilherme Campos (SP).
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