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25 de jul. de 2014


Editorial – Jornal Pequeno
Foi, talvez, Gregório de Matos Guerra o precursor da sátira política no Brasil e o primeiro a dedicar seu talento para investir contra a incompetência, a corrupção e a arrogância. Devia ser o último a ser usado por alguém como Sarney, nos dias de hoje, para atingir os adversários; o último a ser utilizado para ilustrar de El-rei a tensão pré-eleitoral.

Ninguém aqui fala mal do Maranhão; falam mal de Sarney, por ter encarnado um espírito coronelista e ditatorial que engessou o Maranhão economicamente, socialmente em torno de sua família. Criou uma engrenagem política mastodôntica que se infiltrou como câncer nas instituições públicas.

Contado em números, nestes quase 50 anos praticamente só se elegeu quem ele quis, só atingiu a alta magistratura nesse Estado quem ele deixou. O peso de sua mão apoiada nos fuzis da ditadura militar se abateu sobre a Assembléia Legislativa, sobre o Tribunal de Justiça, sobre os tribunais de contas. Ficou impossível, no Maranhão, decidir qualquer coisa contra sua vontade. E criou aqui a mais corrosiva cultura da corrupção, a exemplo do que o Fantástico denunciou sobre os municípios de Mata Roma e Anapurus.

De uma situação como essa, com as elites decaídas, subjugadas pelo poder de Sarney, diria Gregório de Matos Guerra, se vivo, sobre o Maranhão:

“O demo a viver se exponha

por mais que a fome a exalta

numa cidade onde falta

verdade, honra, vergonha”

Sarney não iria gostar de Gregório de Matos Guerra, não poderia suportá-lo. Tiranos não suportam poetas, que, em geral, eles causam comichões em toda e qualquer forma de poder absoluto. Revoltado com a fome que assolou a Bahia nos idos de 1684 e com a reverência da Igreja Católica para com El-rei, o ‘Boca do Inferno’ atacaria impiedoso:

“Com palavras dissolutas

me concluo na verdade

que as lidas todas de um frade

são freiras, sermões e putas”.

E vimos a Justiça, do Maranhão e do Brasil, decidir muita coisa em favor da vontade de Sarney, inclusive a cassação de Jackson Lago, inclusive o arquivamento e prescrição de crimes que jamais poderiam ser arquivados nem prescrever. Certamente Sarney e seus discípulos não iriam gostar de Gregório de Matos Guerra dizendo:

“Valha-me Deus a que custo

o que El-rei nos dá de graça

que anda a Justiça na praça

bastarda, vendida, injusta”

E quanto aos nossos parlamentares, esses que não tiveram coragem de negar aprovação a uma proposta tão indecente quanto o Fundema, apesar de compreenderem a vileza de suas intenções, sobrariam em sua perfeição estes versos do ‘Boca do Inferno’, Gregório de Matos Guerra:

“Quem haverá que tal pense

que uma Câmara tão nobre

por ver-se mísera e pobre

não pode, não quer, não vence”

Atacando dessa forma “os maus modos de obrar na governança”, Gregório de Matos Guerra seria no Maranhão uma espécie de inimigo de Estado. E, quem sabe, Sarney lhe arranjaria também um degredo em Angola.

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