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8 de jan. de 2014

Domingos Dutra

Fui autor e Relator da Comissão Parlamentar de Inquérito do Sistema Carcerário. Durante 11 meses investigamos o inferno carcerário brasileiro. Diligenciamos em 18 estados. Vistoriamos 82 unidades prisionais. Conversamos com cerca de 5 mil encarcerados em mais de 500 celas. Concluímos que o sistema carcerário brasileiro é ilegal, imoral, inconstitucional e desumano. Os cárceres brasileiros se sustentam na tortura física, moral e psicológica, sendo fábricas de monstros.

O diagnóstico sobre o caos do sistema carcerário brasileiro está contido em um substancioso relatório, tendo em anexo um CD de 25 minutos com as imagens do inferno. Indiciamos 35 autoridades, dentre juízes, promotores e diretores de unidades prisionais. Apresentamos 12 projetos de leis e 42 recomendações, tais como: a realização dos mutirões carcerários; transferência de presos de delegacia e cadeias para locais próprios, obrigação do Estado oferecer trabalho e profissionalização aos presos; obrigatoriedade de realização de concurso para defensores públicos e agentes penitenciários; informatização da execução penal  e das unidades prisionais;  obrigatoriedade a uma nova arquitetura prisional, dentre outras medidas humanitárias.

Em 08 de fevereiro de 2008  diligenciamos na Delegacia de Paço do Lumiar; no CPJ do Anil, na Casa de Detenção Masculina e na Penitenciária de Pedrinhas.

Constatamos superlotação; excesso de presos provisórios; salada de presos, expressa na mistura de presos jovens com idosos; presos primários com reincidentes; presos doentes com encarcerados aparentemente sadios; torturas; alimentação apodrecida; falta de trabalho e escola; poucos agentes penitenciários; ingresso de armas, celulares e drogas; lixo, esgotos estourados; carência de assistência médica, educacional e jurídica. Por conta disto, o Presídio de Pedrinhas foi classificado como uns dos 10 piores do Brasil.

Após a CPI aprovamos no Congresso Nacional o monitoramento eletrônico; as medidas cautelares e a redução da pena pelo trabalho e pelo estudo. Pela lei, a  cada três dias de trabalho e de estudo o encarcerado reduz um dia de pena. Se o estado oferece ao preso trabalho e estudo ao mesmo tempo a cada três dias o condenado reduz dois dias de sua pena. A oferta de qualificação e trabalho garante ao encarcerado, renda para o sustento próprio e de sua família; reduz o tempo de permanência no cárcere, diminuindo os gastos para sociedade;   bem oportuniza ao encarcerado ocupação produtiva após o cumprimento da pena,  reduzindo a reincidência.

Após o término da CPI, representando a Comissão de Direitos Humanos retornei ao Complexo de Pedrinhas  quando houve a sangrenta rebelião  com vários presos decapitados. Novamente ratificamos as mesmas recomendações. Se o poder público cumprisse as leis, a constituição, os tratados internacionais e tivesse executado as nossas recomendações está tragédia não teria ocorrido.

Ocorre que o Estado do Maranhão preferiu continuar na ilegalidade, uma vez que: a superlotação aumentou.  A salada de presos se agravou. O número de presos provisórios cresceu. A falta de trabalho e estudo atinge quase cem por cento dos encarcerados. A tortura e os maus tratos se generalizaram.  A desorganização administrativa radicalizou-se.
 Por outro lado, como bem me disse um preso no Estado do Espirito Santos, neste inferno tem muita gente lucrando e fazendo fortuna.  A título de exemplo cito apenas o ingresso de armas e drogas no interior dos estabelecimentos penais, facilitadas por agentes públicos mediante propina e os esquemas envolvendo as empresas que servem alimentação podre, azeda, com cabelo, baratas e outros animais a preços absurdos. O esquema das “quentinhas” impede o Estado de oferecer aos encarcerados trabalho na produção de produtos hortifrutigranjeiros para o consumo dos internos, apesar de haver terras disponíveis ao redor dos presídios.

A responsabilidade pelo caos de Pedrinhas é do Governo do Estado que não executa políticas de ressocialização; não constrói presídios regionais; não qualifica e não remunera dignamente os agentes penitenciários, não profissionaliza a gestão do sistema carcerário; reduz recursos orçamentários e desperdiça recursos federais.

O Poder Judiciário ao deixar mofando por longo período presos provisórios  sem julgamento; ao priorizar o encarceramento em detrimento de outras opções legais; ao  não realizar as vistorias mensais e ao não impor medidas coercitivas ao Poder Executivo também assume parcela de culpa pelo caos no sistema carcerário.

O Ministério Público é também parceiro desta tragédia na medida em que mantém a cultura da condenação penal e do encarceramento; ao não realizar as inspeções mensais nos termos da lei e não exercer em plenitude e com rigor as competências de ação e fiscalização conquistadas na constituição cidadã.

Diante deste caos que alcançou dimensão internacional, a sociedade e o poder público precisam compreender que, se no Brasil não há prisão perpetua e nem pena de morte, apesar de haver morte sem pena, é preciso humanizar o sistema carcerário, em cumprimento do ordenamento jurídico, mas principalmente na defesa da sociedade livre, pois hoje o preso está contido, mas amanhã ele estará comigo, contigo, com todos nós. E se o sistema teima em  fabricar monstros continuamos a pagar uma elevada conta, expressa em vidas, em patrimônio, insegurança.

O Sistema Carcerário tem solução: basta que se cumpram as leis e as autoridades sejam responsabilizadas  civil, administrativa e criminalmente pelas suas omissões. Enquanto isto não ocorrer vamos conviver com as tragédias anunciadas.



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